Semana da Consciência Negra – técnicos administrativos que se destacaram na FASUBRA

11:50 | 21 de novembro de 2016

 

Entrevista com Jupiara Castro da Universidade de São Paulo (USP).

Nesta semana da Consciência Negra, a FASUBRA entrevistou dois ex-coordenadores que fizeram história pela luta do movimento negro dentro da Federação, Jupiara Gonçalves Castro e João Paulo Ribeiro.

Confira a entrevista com Jupiara Castro, ícone da luta pela igualdade racial dos trabalhadores técnico-administrativos em educação na Federação e na Universidade de São Paulo (USP).

 

Jupiara Castro

Fundadora do Núcleo de Consciência Negra da USP, ex-diretora da FASUBRA Sindical, atualmente é responsável pelo departamento de recursos humanos do Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (CSEB) da Faculdade de Medicina da USP, trabalha na universidade desde 1985.

Jupiara Gonçalves Castro, 60, nasceu no Rio de Janeiro-RJ. De família classe média, seu pai era militar das Forças Armadas, e militante comunista. Desde pequena aprendeu a se posicionar sobre seus valores. “Costumo dizer que, sou militante desde o ventre da minha mãe. Porque a gente nasce em casa, aprendendo, conversando sobre as questões sociais e as questões etnicorraciais”.

 

História no movimento estudantil e negro

A história de Jupiara na luta pela igualdade racial começou no movimento estudantil e movimento negro no Rio de Janeiro, onde em 1982 foi fundado o Agbara Dudu (primeiro bloco afro da cidade), batizado pelo Illê Aiyê da Bahia pelo Vovô (Antônio Carlos Santos) e Dete Lima, estilista do Ilê, filhos de mãe Ilda de Jatolu, “Mãe Ilda que abriu a porta para que os filhos dela pudessem discutir a questão racial”.

 

Trajetória em São Paulo

Oriunda do Movimento Negro Unificado (MNU) desde a fundação em 1978, Jupiara no final de 1983 se mudou para São Paulo com a tarefa específica de levar para a USP a discussão étnica racial, “não com o olhar da academia, mas com o olhar dos negros que faziam e fazem a luta na sociedade”.

Em 1985 se torna servidora celetista na universidade e em 86 começa a fazer uma discussão étnica racial na USP, que leva a fundação do Núcleo de Consciência Negra da universidade em 1987.

 

Luta sindical

Segundo Jupiara, a Federação foi construída pelas associações dos trabalhadores das universidades, encarada como uma entidade recreativa e cultural, “assim nossa federação era levada”.  Não havia o enfrentamento ao sistema da época (regime militar), e isso tinha que ser transformado em um instrumento de luta dos trabalhadores técnico-administrativos das universidades, “principalmente instrumento político por direitos”.

Segundo Jupiara, a retomada da FASUBRA aconteceu em 1986, “houve uma mulher que teve importância ímpar pra isso, Vânia Galvão da Bahia, fez uma articulação nacional – e olha que a gente não tinha zap, celular – ela conseguiu articular o país para uma grande plenária no Rio Grande do Norte, para recuperar esta entidade para a luta dos trabalhadores”.

Não era um período fácil, de acordo com Jupiara era época de ditadura militar e luta pela redemocratização do país, “e esta mulher teve um papel extraordinário e fundamental para recuperar esta entidade. Para quem não sabe, a história da FASUBRA é uma história de luta e grande parte construída por nós mulheres”.

A transformação da Federação em um instrumento de luta abriu a porta para que os trabalhadores pudessem se organizar de maneira mais efetiva e levar as reinvindicações da categoria aos governos, presidentes e ministros.

 

Instituição da Coordenação de Raça e Etnia

Durante um bom tempo Jupiara foi da base da Federação, “fico muito feliz por isso, porque pra assumir a responsabilidade de dirigir qualquer coordenação na Federação tem que ser encarado como algo de extrema responsabilidade e entrega”.

O debate sobre raça e etnia não tinha acordo com todos, mas todo mundo queria ser politicamente correto, afirmou Jupiara. “Tenho o hábito de dizer que a esquerda brasileira é constituída de uma classe média, e de uma classe média branca, e as pessoas não se assumem nem preconceituosas, nem muito menos racistas”.

 


 

Congresso do Paraná

Neste congresso dos trabalhadores técnico-administrativos realizado em Curitiba-PR, em 1991, Jupiara e outros técnicos negros apresentaram uma carta no final do congresso. “Para apresentar a carta foi um caos, ninguém queria porque diziam que nossa preposição de discutir o racismo faria uma divisão entre os trabalhadores”.

Em resposta, solicitaram aos companheiros para olhar dentro do congresso e ver quem eram os trabalhadores que lá estavam. “Não ocupando cargos de direções, nem nos sindicatos de base, nem na Federação, mas realmente dando a sustentação às diversas correntes políticas que ali estavam e a maior parte dos trabalhadores eram negros e descendentes de negros”.

A carta apresentada ao congresso falava da necessidade de pontuar as especificidades dos trabalhadores negros, aprovada por unanimidade.

 

Congresso em BH

De 1991 a 1994 nada foi implementado na Federação em relação a discussão sobre racismo. No congresso de Belo Horizonte – MG, em 1994, “o pau estava feito”, disse Jupiara, a Direção integrada somente por trabalhadores brancos, “todos meus amigos queridos”.

Os trabalhadores começaram a articular uma discussão de negros e negras, para que houvesse pelo menos um negro de cada força política na Direção da FASUBRA, pra poder tocar o trabalho étnico racial. “E isso deu crepe em todas as correntes, a única que não deu foi o MTS que havia acordo em relação à política”.

“Até que uma pessoa da base decidiu fazer uma chapa de negros, e aí eles sentiram o perigo”, revela Jupiara. De acordo com a técnica, dentro do Mineirinho “tinha lá meia dúzia de gatos pingados”, e o congresso do lado de fora, sem nenhuma estrutura, com um megafone querendo discutir a questão étnico racial e a montagem de uma “chapa preta”.

Rapidamente houve uma articulação dos dirigentes de todas as forças políticas que chamaram Jupiara para o diálogo.  “E aí eu chamei as outras pessoas, como o JP, Apolinário, falecido Daniel da Bahia e fomos conversar. Eles propuseram então a fazer uma coordenação, alterando o estatuto no congresso, para formação da coordenação de políticas sociais e antirracista”.

E assim surgiu a coordenação que hoje está dividida em diversas partes, mas antes cuidava de temas como saúde, previdência, questão da mulher, gêneros, negros e aposentados. “A gente deu conta durante um tempo desta formação, mas era uma coordenação pesada com muitos assuntos diversificados que a gente tinha que dar conta”.

 

Atuação na USP

“Todo mundo já deve ter escutado falar em Teodoro Sampaio, foi um dos elaboradores da Escola Politécnica da USP que congrega todas as engenharias”. Jupiara contou que no dia da inauguração da Poli (24 de agosto de 1893), Teodoro Sampaio foi excluído da festividade, não assinou a ata de fundação.

“Porque ele não assina? Porque Teodoro Sampaio era preto, filho de uma escrava com um padre, então quer dizer, ele é banido do grande ato, porque os homens brancos não podiam deixar aparecer um negro como o principal pensador da Escola Politécnica, foi ele que pensou todo o projeto da Poli”.

 

A vida é como ela é

De acordo com Jupiara, a convivência entre técnicos, docentes e estudantes na USP era muito ruim. “Ali se concentra uma boa parte da elite, não só paulistana como brasileira fundada pelos donos dos cafezais”.

Relatou o período em que se iniciou uma série de denúncias de discriminação racial na universidade, “se a gente não tivesse vivenciado, a gente não acreditaria”, quando foi dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP).

Para resolver a questão, como dirigente sindical procurou os representantes das entidades dos docentes e estudantes para fazer uma parceria. “Pra minha surpresa, naquele período nós tínhamos quatro dirigentes pretos, nas quatro entidades. Eu no SINTUSP, o professor Henrique Cunha Júnior na Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (ADUSP), o estudante Wilson Honório no Diretório Central dos Estudantes (DCE) e Luís Carlos na Procuradoria Geral (PG), três homens e uma mulher”.

“Sentamos, discutimos bastante e começamos a pensar a forma de intervir na estrutura da universidade pra ver se conseguia minimizar a questão das perseguições racistas para com os trabalhadores, e por outro lado a gente olhava eram muito poucos estudantes negros”.

 

50%

Milton Santos tinha uma brincadeira com o estudante Wilson Honório. “Milton passava no corredor quando via o Wilson e falava: – olá 50%, aí ele respondia: – fala 50% , porque eram apenas dois pretos no prédio da História e Geografia , um estudante e um docente”. De acordo com Jupiara, havia cinco professores negros em um universo de 5 mil docentes.

 

Momento conservador

Encerrando a entrevista, Jupiara afirma que “estamos em uma crise econômica mundial e quando se tem uma crise desta envergadura, você tende a ter um retrocesso, e os projetos mais conservadores aparecerem como alternativa, o Brasil não estava livre disso, ainda mais porque a gente tinha um grupo dentro do governo, levado pelo próprio governo pra dentro dele”.

Para Jupiara, o PMDB nunca foi um partido fiel, mas sim um partido fisiologista que nunca saiu de nenhum governo. “Para esses políticos que tem o seu projeto, que não atende a política de bem estar social, o projeto do seu grupo, pra eles é fácil”, se referindo aos projetos e propostas do atual governo que retira direitos dos trabalhadores.

 

Assessoria de Comunicação FASUBRA Sindical

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