Onda de retrocessos do governo federal regulariza o trabalho escravo
Entidades e instituições que lutam pela erradicação do trabalho escravo reagiram. Os auditores fiscais do trabalho decidiram paralisar as fiscalizações em 13 estados.
O governo ilegítimo de Michel Temer publicou a Portaria nº 1.129/17 pelo Ministério do Trabalho na segunda-feira, 16, que retrocede em 50 anos as regras que configuram o trabalho escravo. Na prática, o argumento de regular o Seguro-Desemprego a trabalhadores resgatados do trabalho escravo e atualizar a Lista Suja dos empregadores que cometeram o crime, não convenceu. A medida é um pleito antigo da bancada ruralista. Entidades e instituições que lutam pela erradicação do trabalho escravo reagiram. Os auditores fiscais do trabalho decidiram paralisar as fiscalizações em 13 estados.
De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), a Portaria altera os conceitos de trabalho escravo que estão no artigo 149 do Código Penal. Por anos, o Congresso Nacional tem tentado por meio de projetos, mas sempre com forte resistência dos atores sociais comprometidos com a erradicação do trabalho escravo.
“A portaria condiciona a caracterização do trabalho escravo ao consentimento ou não do trabalhador e à privação do direito de ir e vir, o que nem sempre ocorre. Muitas vezes o trabalhador não vai embora por falta de opção, ou por vergonha, porque acha que tem que saldar a dívida com o patrão, o que não significa que seu trabalho seja digno. Há muitos outros elementos presentes para comprovar a escravidão. O Ministério quer que voltemos ao conceito do Século XIX, de grilhões e correntes. Não vamos aceitar”, aponta Carlos Silva.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considerou a medida ilegal e afirma que o país deixa de ser referência no combate ao trabalho escravo, se tornando um exemplo negativo.
A Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT divulgou na tarde desta segunda-feira, 16 de outubro, o Memorando Circular nº 61/2017, informando que não houve ciência ou participação da secretaria em relação a portaria.
Entrevista
A assessoria de comunicação da FASUBRA Sindical entrevistou Lucas Reis da Silva, auditor-Fiscal do Trabalho e ex-membro do Grupo Móvel Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, sobre o assunto.
Quais são as implicações da portaria baixada pelo Ministério do Trabalho que dificulta as inspeções e punições a empregadores flagrados cometendo o crime?
Ainda não sabemos exatamente o real alcance da Portaria 1129/2017 e se realmente vai prosperar, porque há críticas dentro do próprio governo, a exemplo da Secretaria de Inspeção do Trabalho, vinculada ao Ministério do Trabalho e críticas no próprio Congresso Nacional. Vamos lutar pela anulação da portaria. Caso entre em vigor, representará um grande entrave à fiscalização e ao combate do trabalho escravo no Brasil.
A medida dificulta tanto o procedimento de inspeção do trabalho escravo, que já tem suas dificuldades naturais de enfrentamento, inviabilizando o combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
Antes da portaria, como o governo lidava com a situação do trabalho escravo? Quais eram as premissas que caracterizam a escravidão?
O instrumento normativo que orienta o combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil é o artigo 149 do Código Penal. Mesmo com a portaria, ele não foi revogado e define quatro hipóteses que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo no Brasil. São: trabalho forçado, restrição à liberdade de locomoção, jornadas exaustivas de trabalho e submissão de pessoas a trabalho degradante.
Durante a inspeção trabalhista, o Auditor-fiscal do Trabalho, ao se deparar com qualquer uma dessas hipóteses, caracteriza situação de trabalho escravo contemporâneo e toma as providências previstas em normativos internos do Ministério do Trabalho.
Durante muitos anos, esse procedimento tem funcionado relativamente bem. Em duas décadas, mais de 50 mil trabalhadores foram resgatados de situação de escravidão no Brasil e o combate ao trabalho escravo no país tem sido elogiado pela OIT, e por organismos internacionais que consideram o Brasil um País modelo no combate a essa prática.
Essa portaria representa um retrocesso no combate ao trabalho escravo e significa a regulamentação do exercício do trabalho em condições degradantes no Brasil. É inaceitável!
O que significa para os trabalhadores brasileiros essa portaria? O que pode ser feito para que seja revogada?
A portaria reduz as hipóteses de caracterização do trabalho escravo contemporâneo. Das quatro hipóteses previstas no artigo 149 do Código Penal, a Portaria 1129/2017, reduz a duas. Retira “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” das hipóteses caracterizadoras de “trabalho escravo contemporâneo” no Brasil.
Já trabalhei no resgate de alguns trabalhadores que viviam da seguinte forma. Trabalhavam 18 horas por dia, por três anos, sem descanso semanal remunerado e sem recebimento de salário. Dormiam em barracos de lona com porcos e utilizavam a água de um ribeirão próximo para consumo pessoal, ou seja, ingeriam a água, utilizavam para banho, para cozinhar. Nesse mesmo ribeirão onde satisfaziam eles suas necessidades pessoais. E faziam tudo isso porque não havia banheiro, cozinha ou pia disponibilizada pelo fazendeiro. Cozinhavam em um fogareiro improvisado ao chão.
Antes da portaria, consideramos essa situação caracterizadora de trabalho escravo contemporâneo por jornada exaustiva (18 horas de trabalho diário sem descanso semanal, férias ou intervalos legais) e condições degradantes de trabalho.
Depois da portaria, essa situação não será mais considerada trabalho escravo pois ambas as hipóteses (jornada exaustiva e degradante) deixam de compor o rol de situações caracterizadoras do trabalho escravo contemporâneo.
A portaria também introduz outros requisitos para a caracterização do trabalho escravo que funcionam no sentido de dificultá-la. Por exemplo, exige a lavratura de Boletim de Ocorrência por autoria da policial que tenha participado da fiscalização.
Acontece que muitas vezes a caracterização do trabalho escravo se dá em inspeções de rotina dos auditores fiscais em que não há acompanhamento policial. Nesse caso, a exigência de lavratura de Boletim de Ocorrência introduz mais um requisito a dificultar o processo de caracterização do trabalho escravo, já que ela só poderá se dar na minoria delas, ou seja, naquelas fiscalizações em que há acompanhamento policial.
Além disso, há alteração no Processo de divulgação da “Lista Suja” do Trabalho Escravo. Trata-se de um cadastro de empregadores flagrados utilizando mão-de-obra escrava.
Atualmente, a lista suja é minuciosamente elaborada por uma equipe técnica de auditores-fiscais do trabalho. A Portaria altera a competência de divulgação da Lista Suja e passa a atribuir ao Ministro do Trabalho a competência para divulgá-la e incluir empregadores na lista. Isso é um absurdo pois submete um importante instrumento do combate ao trabalho escravo à pessoa às inclinações políticas e/ou pessoais do Ministro do Trabalho.
Essa portaria representa o maior ataque à fiscalização do Trabalho Escravo que o Brasil já experimentou!
Assessoria de Comunicação FASUBRA Sindical
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