Especialistas discutem o rumo das políticas para a comunidade LGBTI
O retrocesso das políticas públicas marcaram o debate.
Nesta manhã, 20, começou o II Seminário LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais) da FASUBRA Sindical, no Hotel Golden Park Rio, na cidade do Rio de Janeiro. Na mesa de abertura, os diretores Wellington Pereira e Francisco de Assis da coordenação de Políticas Sociais e Gênero afirmaram o compromisso da Federação em avançar na questão da igualdade de gênero.
Segundo Assis, o seminário “é um debate fundamental para trabalhadores e dirigentes sindicais no enfrentamento ao machismo e homofobia, reafirmando uma política de formação e respeito”. Para Wellington, o evento dialoga não só com o público LGBTI, mas com os técnico-administrativos em educação das universidades que trabalham com esse público.
Mesa temática
Os convidados para a primeira mesa de debates foram, Célia Selem da Secretaria da Diversidade da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Lopes de Souza Neto da Aliança Capixaba pela Cidadania, Carolina Farias Ribeiro do coletivo nacional Mães e Pais pela diversidade e Charles Vieira, diretor do conselho regional de serviço social do RJ, membro do conselho estadual de direitos da população LGBT do RJ e pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
As políticas LGBTI nas Universidades
Célia Selem falou sobre as experiências na Diretoria de Diversidade e as políticas implementadas na UnB. Se apresentou como lésbica e militante LGBTI desde os anos 2000 quando trabalhava com pesquisas sobre lésbicas no Brasil. “A UnB é a única que tem uma diretoria sobre o assunto e integra a universidade. Em outras universidades existem núcleos de pesquisas e coletivos dentro dos diretórios acadêmicos”, disse.
Atualmente, todos têm a consciência da situação de retrocessos que compõem a minoria na amplitude de direitos humanos (negros, LGBTI, mulheres, indígenas), segundo Célia. Também destacou o crescimento do pensamento conservador e fascista no meio da classe trabalhadora, devido ao distanciamento do contato de formação das bases, em uma perspectiva de diversidade e luta de classe. Para Célia, é necessário investir na formação da base sobre a questão LGBTI e alinhar à luta de classes para formar os trabalhadores.
Experiências na universidade
De acordo com Célia, na Diretoria de Diversidades há quatro coordenações, diversidade sexual, negros, indígenas e direitos da mulher, criados em 2013, em consequência da mobilização dos coletivos da universidade, após diversos episódios de discriminação e violência dentro do campus.
A diretoria tem espaço próprio e uma equipe técnica constituída de assistentes sociais e psicólogos, para atender as denúncias de casos de homofobia, assédios, preconceitos, violência física, por sistema eletrônica e presencialmente.
Também realizam acolhimento e atendem casos que ocorrem com os estudantes fora da universidade. “Muitas vezes pessoas trans que não são aceitas dentro da família, acabam sendo expulsas e chegam até a diretoria com um prejuízo acadêmico muito grande, sem ter onde morar e sem estrutura econômica e a universidade não consegue integrar esses estudantes dentro das políticas de assistência estudantil porque eles não se enquadram nos critérios”. São realizadas rodas de conversa que ajudam a identificar os diversos tipos de denúncias.
Políticas de Formação em Gênero e Diversidade Sexual
Antônio Lopes de Souza Neto (Toninho) da Aliança Capixaba pela Cidadania, militante de direitos humanos, iniciou com o poema de Waldo Motta, homossexual e negro, do norte do Espírito Santo, reconhecido fora do país.
Em sua experiência na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) como técnico-administrativo, trouxe em 2009, o curso Gênero e Diversidade na Escola, um dos programas do governo federal que constituía a rede de educação para a diversidade do Ministério de Educação. “Haviam 16 cursos, no governo Dilma aumentaram para 40 cursos ofertados”.
A política inédita dos cursos ofertados, entre 2008 e 2009, incentivada pelo governo, surgiu a partir de um projeto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por meio do Centro Latino Americano de Direitos Humanos e Sexualidade. Na ocasião, Toninho lamentou o desmonte da UERJ.
Toninho pontuou o desmonte do projeto Escola sem Homofobia de 2011, construído por organizações do movimento LGBT, vetado pelo MEC, por pressões fundamentalistas. “A formação em gênero e diversidade sexual é um desafio muito grande, tenho certeza de que nós técnico-administrativos temos condições de fazer esse enfrentamento nas assembleias”.
De acordo com o técnico-administrativo, em 2015, a proposta da Conferência Nacional de Educação de incluir os temas de gênero e diversidade sexual nos planos nacional, estaduais e municipais de educação foi extirpado. ‘O avanço das forças conservadoras, fundamentalista religiosas permitiu todo esse desmonte do que construímos”.
Também falou sobre a polêmica cura gay e discursos fundamentalistas religiosos nos cursos de psicologia. “Querem trazer à tona a famosa cura gay”. Para Toninho, é preciso pensar políticas de saúde para a população LGBTI. O técnico-administrativo defende a igualdade de gêneros e não a ideologia de gêneros.
Mães pela Diversidade
De Maricá-RJ, Carolina Farias Ribeiro faz parte do coletivo Mães pela Diversidade, espalhado em todo país e nas cidades do estado do RJ. O movimento surgiu em São Paulo, dissidentes de outro grupos, expandindo para 14 estados.
“Como é triste a opressão de um filho, que não pode ser quem ele é dentro da sua própria casa, com os próprios pais. Ter que se esconder da própria mãe. A mãe, símbolo maior do acolhimento”, assim Carolina iniciou sua fala.
A proposta do coletivo é o acolhimento aos filhos LGBTI e mães por meio de conversas e muito diálogo sobre questões de como lidar com o fundamentalismo religioso. Como exemplo do pensamento fundamentalista, Carolina contou sobre as mudanças na vida noturna do bairro de Ipanema onde haviam diversos bares frequentados por pessoas LGBTs. “Estamos cada vez mais encurralados, em guetos e dentro de casa. E em casa não há acolhimento, eles vão para onde?”
Para Carolina, a situação de uma mulher trans, retratada na novela da TV Globo, foi um Boom, “tivemos que deixar companheiras de plantão para acolher as famílias, a questão da transfobia assusta muito, a sociedade está aí para te expurgar”, disse se referindo à reação das pessoas sobre o assunto.
Carolina alertou sobre o problema da homofobia dentro da esquerda e a necessidade de acolhimento. “Temos esse trabalho como compromisso, não podemos deixar nossos filhos ao relento, porque quando deixamos, ele se afasta e vai para o mundo da marginalidade. Temos que cada vez amar mais”.
A mãe, compartilhou o caso de uma criança trans de seis anos de idade, de uma cidade do estado do RJ, que sofria discriminação. “A escola queria que ela entrasse na fila dos meninos, utilizasse o banheiro masculino, mas afirmava ser menina. Tivemos que interferir e conseguir um advogado para a mãe. A escola não entendia aquela criança de seis anos dizendo o que ela era. Conseguimos que fosse aceita, isso foi uma grande vitória pra gente”, desabafou Carolina.
Políticas de estado para as comunidades LGBTI
Charles Vieira, diretor do conselho regional de serviço social, membro do conselho estadual de direitos da população LGBT do RJ, conselheiro fiscal e ex-diretor do Sindipetro-RJ, participa de um grupo de trabalho de enfrentamento às opressões dentro da Petrobrás.
“Nós bichas temos que sair do armário do nosso gueto e ir para o armário da sociedade para militar junto com os companheiros que não são LGBT. Todos nós somos trabalhadores, a luta é comum contra a burguesia, contra o capitalismo”
Segundo Charles, o retrocesso da laicidade do estado está fazendo retroceder muitos direitos. No Brasil mata-se mais pessoas LGBTI que em qualquer outro país, onde é criminalizada a homossexualidade, uma pessoa morre por dia por motivação lgbtfóbica. “No Brasil se mata mais travestis e transexuais no mundo. São crimes com requinte de crueldade, como empalamento, facadas, esquartejamento”.
O que é esse Estado? A serviço de quem está trabalhando?
Charles se aproxima da concepção Gramsciana de Estado, que o define enquanto sociedade política e sociedade civil. “Vivemos em um Estado onde predomina a hegemonia ideopolítica e socioeconômica burguesa sobre bases conservadoras, fundamentalistas, confessionais e latifundiárias. É a bancada da bala, da bíblia e do boi (bancada BBB). Em sua natureza é um Estado violador de direitos. Irá defender os direitos de um determinado setor em detrimento de outros”.
História das políticas sociais para a comunidade LGBT
Baseado no livro, Na trilha do Arco Íris, dos autores Júlio Simões e Regina Fachin sobre a história das políticas sociais voltadas para a população LGBT, Charles apresentou uma discussão de movimentos LGBTs no Brasil, em três ondas.
Em 1973, a população LGBT lutava por visibilidade, contraculturalmente questionando os valores da burguesia. “Só que nesse momento ainda não se falava em políticas sociais, ainda em período de ditadura”.
A segunda onda aconteceu em meados da década de 80, quando surge a epidemia de AIDS, que faz diminuir o número de grupos, pulverizar e descentralizar os militantes pela causa LGBT. “Isso obrigou os grupos que resistiam, a fazer um giro nas suas pautas pela despatologização da homossexualidade. Até então a AIDS era um privilégio da população gay, a medicina da época dizia que a culpa era do gays do sexo masculino. Foi o estigma que a população LGBT trouxe”.
Na terceira onda, na década de 90, o movimento ganha uma certa institucionalização, o marco foi em 1995 quando surge o projeto de lei para união civil homoafetiva, quando acontecem os encontros e surgem outros grupos voltados para a causa LGBT, preocupados com a população LGBT que tinha AIDS.
Charles defende que está em curso uma quarta onda, de mercantilização das pautas LGBT via terceiro setor, na década de 2010 pra cá ocorreu um boom de organizações não governamentais. “O problema é quando o Estado tira a responsabilidade por nossas pautas e direciona somente para esses setores, pra mim é uma desconstrução daquilo que a gente quer”.
Em 2004, surge o programa Brasil sem Homofobia. Em 2008, é criado o Plano Nacional de Promoção e Cidadania e Direitos Humanos de LGBT e regulamentado o processo transexualizador através da portaria 1707/08. Em 2013, o Brasil reconhece o casamento homoafetivo. Em 2015, é regulamentado o processo de adoção e o uso do nome social para travestis e transexuais em autarquias.
“Tudo é muito recente! Quando a gente começa a conquistar espaço, vem essa onda reacionária, mercantilizada e fundamentalista que faz retroceder um monte de direitos”. Charles finalizou convocando a população LGBT para ocupar os espaços políticos. “Ser LGBT para além de uma questão de gênero, é uma política!”
Assessoria de Comunicação FASUBRA Sindical
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