Entrevista com Yone Maria Gonzaga

09:50 | 18 de novembro de 2015

 

Novembro – mês da Consciência Negra

Rememorar para não esquecer a história dos nossos ancestrais negros

 

 

Autora da dissertação que trata as relações raciais e invisibilidade na UFMG conversa com a federação

 

Por Luciana Castro

 

Yone Maria Gonzaga, técnica-administrativa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) há 30 anos. Atualmente cedida à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais, é Superintendente de Políticas Afirmativas e Articulação Institucional. Doutoranda e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG.

Participa do Movimento Negro na cidade de Belo Horizonte – MG e tem uma longa história com o movimento sindical como técnica-administrativa. Após participar de duas pesquisas na UFMG que resultaram em dois livros (Memórias e Percursos de professores/as negros/as e Memórias e percursos de estudantes negros/as), questionou a ausência de pesquisas que contemplassem os trabalhadores técnico-administrativos, essenciais na comunidade acadêmica. ”Me interrogava se isso não se constituía em mais um processo de exclusão/discriminação da categoria”, afirmou Yone em entrevista cedida à FASUBRA. A partir desse momento, a técnica-administrativa desejou pesquisar sobre o assunto, resultando na dissertação de mestrado: Trabalhadores e Trabalhadoras Técnico-Administrativos em Educação na UFMG: relações raciais e a invisibilidade ativamente produzida. Ao iniciar sua pesquisa, Yone se deparou com a ausência de informações funcionais sobre o pertencimento étnico-racial dos profissionais nos cadastros da universidade.

 

A seguir, Yone fala com propriedade sobre a pesquisa e o cenário atual de preconceito e discriminação arraigados na cultura brasileira.

 

 

FASUBRA – O que a inspirou a realizar a pesquisa de Mestrado sobre trabalhadores e trabalhadoras técnico-administrativos em educação na UFMG?

Yone Gonzaga – ocorria na UFMG um tipo de discriminação à qual todos/as trabalhadores/as técnico-administrativos eram vítimas, independentemente da questão étnico-racial ou nível ocupado na carreira: a discriminação docente – técnico. Ou seja, havia uma relação hierarquizada verticalmente entre os docentes-técnicos; os que pensam/mandam e os que fazem/obedecem, que demarcava uma posição de invisibilidade ativamente produzida.

Ampliei o escopo da pesquisa incluindo os trabalhadores/as brancos/as e o resultado foi interessante. O estudo mostrou que as relações são demarcadas na UFMG, havendo a ocorrência de discriminações interpessoais e incidência do racismo institucional. Além disso, apontou, também, uma relação de poder arraigada.  As hierarquias são preponderantes e minimizam as iniciativas e o crescimento de muitos trabalhadores/as técnico-administrativos.

 

FASUBRA – Dentro da universidade há uma diversidade de pessoas, porém, mesmo diante de ações afirmativas, vemos que a maior parte da população negra não tem acesso à instituição (ingresso de trabalhadores e estudantes). Em sua opinião, como aproximar a universidade desses indivíduos?

Avalio que a luta pelas políticas afirmativas não pode retroceder apesar da institucionalização das cotas pela Lei Federal 12.711/2012. Ainda há muito que se fazer para garantir a permanência com sucesso acadêmico e a conclusão do curso por todos/as ingressantes negros/as e trabalhadores/as. 

FASUBRA – Atualmente a violência e crimes de injúria racial e racismo tem aumentado. Como você visualiza o cenário brasileiro atual?

Vivemos um momento de tensão no cenário social e político brasileiro e, infelizmente, as violências acabam explodindo como forma de manifestação de grupos que não sabem ou não querem dialogar. Percebo que parte de integrantes desses grupos citados é formada por indivíduos que não querem perder as vantagens e os lugares que sempre ocuparam.  Antes das cotas raciais/sociais, as universidades públicas estavam reservadas para pessoas com traços fenotípicos brancos.

As lutas raciais têm crescido e os coletivos negros e indígenas têm reivindicado os seus direitos e isso incomoda quem nunca havia sido incomodado.

 

FASUBRA- A mulher negra ainda sofre com inúmeras questões. Atualmente o número de violência doméstica e mortes são noticiados pela mídia com maior frequência. Em sua opinião, o que pode ser feito para proteção da mulher negra?

Acredito que o Estado Brasileiro precisa intervir nessa questão de forma mais enfática, organizada e urgente. As mulheres negras não podem continuar sendo vítimas de violência doméstica, serem assassinadas e tudo continuar como se nada estivesse acontecendo.

Os dados do Mapa da Violência disponibilizados nos últimos dias demonstram uma queda na violência contra as mulheres brancas e um crescimento exponencial na violência letal contra as mulheres negras e isso exige uma medida eficaz de acompanhamento da situação, estruturação de equipamentos públicos para garantia de direitos e da vida das mulheres ameaçadas, bem como a punição dos agressores e assassinos.

Dia 18 de novembro as mulheres negras farão uma Marcha Nacional pela Vida, contra o racismo e pelo Bem Viver. Não é mais possível que tantas mulheres morram e pouco seja feito institucionalmente.

Outra questão que carece de uma resposta eficaz também é o genocídio da juventude negra. Muito se tem falado sobre isso, mas os dados continuam alarmantes.

 

FASUBRA – Houve avanços na construção de políticas que preservem os direitos da população negra?

Do ponto de vista legal, sim. Mas há uma dificuldade em se efetivar essas políticas em função da ambiguidade do racismo brasileiro, que é negado a todo tempo, mas sabemos que ele existe e determina a vida e a morte de pessoas negras.

Há uma disputa de poder real, material e simbólica e os/as que mais sofrem são os/as negros/as.  Exemplos. Lei 10639/2003 – inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos da educação.  Muitas escolas no Brasil não incluíram essas temáticas nos Planos Políticos Pedagógicos, nos currículos, como demonstrado em pesquisa nacional realizada em 2012, e coordenada pela atual ministra Nilma Lino Gomes.

A lei 12.288/2010 – que institui o Estatuto da Igualdade Racial é desconhecida por grande parte da população brasileira, inclusive por gestores públicos.

 

FASUBRA – Qual é a importância dos sindicatos e instituições que representam os trabalhadores na luta por políticas RACIAIS?

Penso que a luta pela dignidade da pessoa humana deve ser uma pauta para todas as entidades sindicais e instituições públicas. Portanto, a questão étnico-racial deve ser considerada como uma pauta emergente.

A população negra representa mais da metade da população brasileira (quase 52%, de acordo com o Censo de 2010), contudo, ainda ocupa os piores lugares na escala social e de proteção dos seus direitos. Acredito que os sindicatos podem contribuir muito capacitando/formando a categoria para compreender essas questões e lutando para que as conquistas já garantidas não retrocedam.  A luta pela justiça racial deve ser assumida por todos/as.

 

FASUBRA – Você já sofreu preconceito ou discriminação?

Como mulher e negra, já sofri e sofro diversas discriminações de gênero e raciais. Afinal, vivemos em um país que nega o racismo, mas as práticas racistas se apresentam no cotidiano.

 

Foto:; Arquivo pessoal

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