Entrevista com a antropóloga Lídia Meirelles sobre a situação dos povos indígenas no Brasil

11:49 | 19 de abril de 2016

 

Atualmente, Lídia é coordenadora do Museu do Índio da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

 

19 de abril – Dia do Índio

 

FASUBRA – De que forma o cenário atual de crise econômica e política no Brasil afeta os povos indígenas?

A crise política interfere na vida de todos os brasileiros. Mas, a situação dos povos indígenas em particular, necessita de uma contextualização e de uma análise mais cuidadosa devido à sua complexidade. O censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010 aponta que a população autodeclarada indígena é de 817.963 ou 0,47% do total da população brasileira. Deste total, 324.834 vivem nas cidades e 572.083 em áreas rurais. Além da diversidade étnica, o grau de convivência destes povos com a sociedade envolvente também é bastante diferenciado.

Diversidade étnica

Alguns grupos mantem contato com a sociedade regional desde o século XVI, a exemplo dos Pataxós na Bahia; outros como os Zo’é no Pará mantem contato com os não-indígenas desde os anos de 1980, e, ainda podemos citar os índios isolados ou povos em situação de isolamento voluntário, aqueles que por algum motivo evitam manter a convivência e preferem se isolar. Destes, ocorrem mais de 70 evidências na Amazônia Brasileira e ainda pouco se sabe sobre sua situação, língua, identidade, número de pessoas, etc.

Índios emergentes

Soma-se ainda a esta multiplicidade de aspectos relevantes a serem incorporados à problemática indígena, o fenômeno dos índios emergentes ou ressurgidos. Devido ao desenvolvimento de ocupação do território brasileiro trazendo por consequência o processo de miscigenação e a invasão das terras indígenas, muitos indivíduos e grupos indígenas considerados extintos pelo poder público, encontram hoje um momento, politicamente, mais favorável e, portanto, mais propício às reivindicações de sua condição étnica.

A ambiência positiva diz respeito aos direitos indígenas assegurados pela Constituição Federal; a intensificação dos estudos sobre a realidade destas comunidades e o apoio das entidades e organizações em defesa da causa indígena. Também conhecidos como desaldeados ou não-aldeados, estes indivíduos ou grupos devem ser incluídos nas ações governamentais.

Demarcação de terras

Uma das questões principais na trajetória da política indigenista brasileira é relativa à demarcação, homologação e reconhecimento dos territórios indígenas. É preciso compreender que a terra garante a sobrevivência física, como também a sobrevivência cultural das sociedades indígenas. É nela que se estabelecem as conexões entre o mundo natural e o espiritual, garantindo a perpetuação de suas tradições culturais. No entanto, a demarcação esbarra nos interesses do agronegócio, dos latifúndios, das mineradoras e em outros diversos tipos de exploração. Fortemente organizada no Congresso, a FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio) com representação dos diversos partidos, tem conseguido mudanças legais expressivas, sobretudo considerando seus próprios interesses. Em decorrência disso, surgem diversos conflitos, inclusive armados, acarretando mortes e muitas atrocidades sobre os povos indígenas.

 

 

FASUBRA – Em sua opinião, há possibilidades de resolução no Congresso Nacional da luta dos povos indígenas contra a demarcação de terras por meio do Projeto de Emenda Constitucional nº 215, que retira direitos dos povos?

É importante considerar que estas sociedades têm vivenciado uma história dramática desde a chegada dos europeus até hoje em sua luta pela subsistência. Em que pese o direito originário à terra ter sido garantido pela Constituição de 1988, sendo assim reconhecido como direito originário, ou seja, anterior à criação do Estado brasileiro, pois a presença indígena no Brasil remonta há pelo menos 13 mil anos antes do presente. Porém, constantemente, esse direito é ameaçado por interesses diversos.

Direito constitucional

A Constituição reafirmava a obrigatoriedade do governo brasileiro em demarcar todas as terras indígenas até 1993, ou seja, 5 anos após a sua promulgação. No entanto, isso não tem sido cumprido e ainda tem exposto às sociedades indígenas a toda sorte de agressões constantes promovidas pela bancada ruralista.

Além dos ataques, essa mesma bancada tenta por meio dos Projetos de Emenda Constitucional (PEC), anular os direitos indígenas já constituídos. A PEC 215/2000 é um exemplo disso. Ela retira da FUNAI, órgão do poder executivo e agente da ação indigenista oficial, a função de agente demarcador dos territórios indígenas e a transfere ao Congresso Nacional, não só para aprovação da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas como também a autenticação das demarcações já homologadas. Com isso, o Congresso passaria a ter a prerrogativa de reconsiderar e até reverter àquelas demarcações já realizadas e consolidadas.

PLP 227/12

Outro destaque é o Projeto de Lei Complementar 227/2012 que concebe como de interesse público e propõe o reconhecimento legal de empreendimentos econômicos, projetos de desenvolvimento, mineração, latifúndios e outras atividades em territórios indígenas. Além destas ameaças, existem outras, a exemplo da Portaria 303/2012 que qualquer processo de demarcação já encerrado seja revisto e adequado.

PL 1610/96

O Projeto de Lei considera que qualquer interessado em explorar atividades de mineração em área indígena pode requerer autorização. Este projeto não considera de forma razoável a posição dos atingidos pela mineração, pois não possibilita às comunidades indígenas a alternativa de rejeitar esta atividade em seu território, e, ainda mais, só exige estudos aprofundados de avaliação ambiental tão somente na conclusão do empreendimento.

PEC 237/2012

 Já a PEC 237/2012 autoriza que os produtores rurais tomem posse de terras indígenas por meio de concessão. Caso seja aprovada, será a oficialização de ações ilegais, inclusive, como o arrendamento que atualmente é proibido no caso de terras de usufruto exclusivo das comunidades indígenas.

Ainda podem ser citadas a Portaria 419/2011 e o Decreto 7957/2013.  

 

FASUBRA – Em sua análise, como a sociedade, imprensa e Estado tem enxergado a situação dos povos indígenas no Brasil?

Como pode verificar os riscos, intimidações e ameaças são concretas. A sociedade necessita ser informada sobre o que tem acontecido com estes povos em toda a sua história de convivência nada amistosa com os não-indígenas. Infelizmente, a imprensa não tem ajudado nesta tarefa. Ela, conforme sabemos, também tem seus interesses. Portanto, só difunde aspectos negativos destas sociedades. Basta descobrirem um só fato que sirva para alimentar os estereótipos e preconceitos, para criminalizar estas populações, generalizando esta conduta como sendo de todos os indígenas, com uma abordagem desrespeitosa e irresponsável, o que em consequência só amplifica a discriminação e a intolerância.

 Povos indígenas na escola

Na educação, vislumbra-se algumas mudanças a partir da Lei 11.645 que determina a obrigatoriedade da inserção da temática indígena no ensino em todos os níveis, inclusive o superior. Entretanto, diferente da pressão dos movimentos sociais negros, os povos indígenas não conseguem protagonizar o acompanhamento, aplicação e eficácia desta Lei, justamente, porque ainda estão lutando por condições elementares de sobrevivência.

Cabe então aos poderes públicos municipais, estaduais e às universidades a necessária sensibilidade para a execução desta Lei, observando a importância de todos os brasileiros e brasileiras terem acesso à história e a cultura de uma matriz/motriz fundamental no nosso processo de formação. 

 

Lídia Maria Meirelles

 


 

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2002) e doutorado em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é Coordenadora do Museu do Índio da Universidade Federal de Uberlândia.

Atuou como professora de Antropologia nos cursos de Direito, Jornalismo, Serviço Social, Filosofia e Pedagogia, além da disciplina História e Cultura Indígena e Afro-brasileira no curso de Pedagogia. Atuou como Secretária Municipal de Cultura (2001- 2004), Diretora de Cultura da UFU (1992-1996) e Coordenadora do Museu do Índio da Universidade Federal de Uberlândia (1987-2000).

Participou de diversos congressos e cursos no Brasil e no exterior na área da Museologia e Etnologia. Autora de artigos e capítulos de livros sobre Etnologia e Museus.

Atualmente é Coordenadora do Museu do Índio, desde o ano de 2008.

 

Imagem: Apib

Assessoria de Comunicação

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