Dia Nacional da Visibilidade Lésbica – luta contra o preconceito é diária

14:29 | 29 de agosto de 2019

O mês de agosto lembra a importância da luta e resistência da mulher lésbica: o dia 29 é reconhecido como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, data criada em 1996, durante o 1° Seminário Nacional de Lésbicas (antigo Senale, hoje Senalesbi – que também envolve as bixessuais), realizado no Rio de Janeiro. Em 2003, o dia 19 de agosto também foi consagrado como Dia Nacional do Orgulho Lésbico, em razão da morte da ativista Rosely Roth. O dia 29 de agosto marca a luta das mulheres lésbicas por seus direitos, contra a lesbofobia, misoginia, machismo, por seu posicionamento na sociedade e o combate a todo tipo de opressão e violência.

Antonieta: “Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.” Simone de Beauvoir

Na opinião de Antonieta Xavier, técnica-administrativa em educação aposentada da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), representante da Assufrgs e militante reconhecida por sua luta sindical e social, a data representa a resistência de mulheres que foram, muitas vezes, oprimidas pelo sistema capitalista e pelo patriarcado. “A visibilidade é uma forma de quebrar o silêncio, fortalecer a luta contra a lesbofobia. Sair dos armários, pois todas nós temos o direito de amar. Queremos uma sociedade livre de preconceito, justa e igualitária”, destaca.

Michely Coutinho, técnica-administrativa em educação da UFG (Universidade Federal do Goiás) e diretora de Relações Étnico-Raciais, Gênero e Diversidade Sexual do SINT-IFESgo, afirma que as mulheres lésbicas já estavam nas ruas há muito tempo, inclusive dentro do movimento feminista, e, dentro do movimento LGBT, existia a sobreposição da figura gay, pelo que o movimento lésbico buscou tal visibilidade. “É uma data importante ‘interna’ e ‘externamente’ para demarcar a visibilidade dentro e fora do movimento LGBT. Externamente, é importante para pautar especificidades da vivência e políticas públicas da mulher lésbica. Falar em visibilidade é dizer que existo e mereço respeito e direito. É inadmissível que um homem se sinta no direito de ofender mulheres lésbicas propondo investidas sexuais a três, verbalizando que faltaria um homem na relação e, em muitos casos, isso culmina em agressões físicas, estupros corretivos e assassinatos”, relata.

Michelly conta que já foi expulsa de um bar, em Goiânia, que era frequentado por LGBTs. 

O Núcleo de Inclusão Social da UFRJ lançou, em março de 2018, um dossiê sobre o Lesbocídio no Brasil, tipo de crime qualificado de feminicídio. Conforme o dossiê, entre 2014 e 2017, 126 mulheres lésbicas foram assassinadas no Brasil. E o número só aumentou ao longo dos anos. Em 2017, foram 54 casos — um aumento de mais de 237% em relação a 2014, e também é o ano de maior casos de suicídio (19). Do total de crimes, 71% aconteceram em espaços públicos e 83% foram causados por homens.

Para a técnica-administrativa em educação da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e coordenadora de Educação e Formação Sindical do Sintufejuf, Natália Paganini Pontes de Faria Castro, mulheres lésbicas sempre foram alvo de muita violência. “Ao contrário do feminicídio típico, que ocorre sobretudo em ambiente doméstico, pelas mãos de familiares e pessoas próximas à vítima, o lesbocídio acontece mais em casos de rua, por pessoas sem ligação com a vítima e com crueldade. É um crime de ódio que sai de casa. Ou seja, o espaço público é um lugar perigoso para nós, mulheres lésbicas. E em casa, muitas vezes, também é um ambiente hostil, em que não podemos assumir nossa identidade de gênero ou nossa orientação sexual e afetiva. Em casa, silêncio, na rua, silêncio. Isso explica em grande parte o nosso processo de invisibilização, inclusive dentro do movimento LGBT, que ainda é bastante machista”, explica. Natália que também faz parte do “Fórum de Mulheres e Coletivos Feministas de Juiz de Fora – 8M” e diz que estão consolidando o GT LGBT do Sintufejuf.

Natália: Seguimos nos organizando, amando e lutando pela nossa libertação, que também é de todas e todos!

Após 23 anos de luta e, diante de um governo extremista que valida e que motiva a exacerbação do radicalismo na sociedade, a luta das mulheres lésbicas deve se fortalecer para não permitir que nenhum direito conquistado seja retirado. “A conjuntura política atual valida os ataques que antes se mostravam enrustidos e adormecidos dentro de uma ‘sociedade conservadora’, o governo legitima o discurso preconceituoso de forma escancarada e nojenta, são tempos que precisamos ficar em alerta e observar o que acontece ao nosso redor. Estamos sim sob ataque. A sociedade persegue o que não é convencional e, nesse governo, ela encontrou o apoio que precisava para externar o que há de mais ruim de uma sociedade que não evolui, que não entende que todos somos seres humanos, que todos(as) temos nossos direitos e deveres, independente de cor, credo, raça e orientação sexual”, afirma Rosmara Moraes Pereira, técnica-administrativa em educação da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que atua no Complexo Hospital de Clínicas e como coordenadora da Pasta de Combate às Opressões do Sinditest/PR. .

Antonieta Xavier concorda que a discriminação sofrida por mulheres lésbicas piorou atualmente. “Seria interessante quem estiver lendo pesquisar estes dados, mas houve aumento do número de mulheres lésbicas expulsas de casa, estupros corretivos, agressões físicas (com alguns casos de morte), falta de atendimento humanizado e qualificado em postos de saúde, falta de oportunidade de emprego, entre outros aspectos. Temos que falar também do crescimento da bancada fundamentalista no Congresso Nacional, que prega o ódio contra nós e prejudica a votação de projetos que buscam o avanço das políticas para a população LGBT. Precisamos de mais LGBTs na política, é urgente e necessária nossa participação também em espaços como: escolas, sindicatos, centrais, associação de bairro, enfim ser ativista da causa”.

Natália Castro também reforça que o período é de retrocesso. “Além de não estarem criando novas políticas para a população LGBT, as já existentes estão sendo destruídas. Ter à frente do Estado um chefe LGBTfóbico como o Bolsonaro e sua equipe representa o quanto ainda precisamos avançar e, infelizmente, enquanto isso ocorre e nós resistimos, muitas de nós tombam”, lamenta. Ela ainda informa que as mulheres negras, indígenas, camponesas, periféricas, trabalhadoras informais, meninas e adolescentes, pessoas alijadas do direito de estarem em uma universidade pública, sofrem preconceito com maior ferocidade.

Na visão de Michelly, o ano de 2019 transformou as palavras do presidente em ações. “Ele acabou com as políticas LGBTs em nível federal e está promovendo uma perseguição quando veta um comercial do Banco do Brasil ou editais culturais que acolham projetos LGBTs. Bolsonaro é inimigo do amor e da diversidade e, ao invés de governar um país e apresentar projetos e políticas econômicas e sociais, foge do seu ofício para se ocupar de promover perseguição aos LGBTs em suas redes sociais. Os LGBTs brasileiros sofrem uma perseguição paranoica e violenta do presidente”. Segundo a técnica, as pessoas hoje se sentem autorizadas a verbalizar (e a praticar) ódio e violência. “Importante ressaltar o marco da criminalização da homofobia pelo STF – debate que ainda não está consolidado, mas as pessoas parecem agora pensar mais um pouco antes de discriminar. Igualar à penalidade do racismo, que isso em termos práticos dá cadeia, gerou senão um ponto de inflexão, um ponto de reflexão”, disse.

Rosmara: Viva nós mulheres lésbicas que vencemos tabus todos os dias, que não temos medo de ser quem somos, que não temos medo de amar o igual. Sejamos firmes e persistentes, sejamos felizes!

Entre os desafios a serem enfrentados, Rosmara cita o avanço em políticas de saúde voltadas para as mulheres lésbicas, leis mais duras contras as violências cotidianas, reconhecimento do modelo de família homoafetivo, diminuir o abismo social, além de tornar a sociedade mais justa e respeitosa. Natália acrescenta que um dos principais desafios ainda é a invisibilidade. “A existência da mulher lésbica já é um fator de resistência ao sistema. Quando nos fazemos visíveis, estouramos séculos de tentativas de opressão de nossas sexualidades. A lesbianidade rompe com a heteronormatividade – situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas – e isso ameaça o sistema patriarcal. Ao haver um não desejo ou uma recusa na relação afetiva ou sexual com um homem, as mulheres quebram tanto o que está configurado como um padrão de ordenamento social homem-mulher quanto com a dominação histórica e cultural de um gênero sobre outro”, analisa.

Já Antonieta afirma que enquanto houver nas escolas o silêncio em relação a diversidade sexual, morte por homofobia, estupro corretivo, entre outros, há muito ainda para avançar. “Nossa luta contra o preconceito é diária”, diz. Michelly também cita que falta avançar no campo da saúde, nas campanhas educativas de prevenção a ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). “O poder público apresenta poucas iniciativas nesse sentido, e o pouco material existente é produzido por ONGs e entidades do terceiro setor, vindas então a partir da própria militância”, informa. Ela complementa destacando que o ano de 2019 é singular na luta LGBT. “O atual governo simplesmente eliminou de sua política nacional e internacional este compromisso. Para ter uma ideia, internacionalmente estamos alinhados aos países islâmicos, ou seja, os países mais atrasados do mundo em termos de respeito às mulheres e aos LGBTs. E internamente, programas que existiram por mais de décadas no Ministério dos Direitos Humanos simplesmente estão sendo ignorados ou extintos”, lamenta.

“Meu corpo, minhas regras”, Movimento feminista

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